Jaime Amparo Alves
A magia da
retórica autoritária: de repente uma preocupante afinidade discursiva entre representantes
da imprensa alternativa - principalmente a combativa blogsfera - e a grande
mídia. A morte do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade, se transformou em um prato-cheio para jornalistas e
blogueiros progressistas vomitarem adjetivos como “criminosos”, “homicidas” e
“terroristas” como se trabalhassem nas redações de Veja ou da Globo. A ativista
Elisa Quadros
“Soninho” é classificada como “fria e com uma disposição quase infinita para
tocar o terror”, o deputado Marcelo Freixo visto como “financiador da
violência” e advogados-militantes como co-participantes em atos delinquenciais.
Quem de nós, militantes sociais, estará salvo destes rótulos?
Os
black blocs são controversos em seu usos da violência como meio, mas não são
terroristas. Ponto! Com um pouco de boa-fé dá para saber que os dois jovens acusados
pelo “homicídio” de Santiago Andrade não
premeditaram “assassinar” um
profissional da imprensa, como a verborragia facista quer fazer crer. Ao invés
de seguirmos a trilha perigosa da direita brasileira, deveríamos ser mais inquisitivos sobre a mensagem que nos
querem transmitir e mais curiosos ainda sobre o contexto político que
possibilitou seu surgimento entre nós.
Os
Black Blocs surgem no Brasil em um contexto de repressão policial e de
monopólio da voz que deixa poucas alternativas para as vozes dissonantes.
Quando um deputado federal rasga na tribuna da Câmara uma revista semanal de
informação, o faz porque a violência da
mídia sequestra seu direito, julga, assassina reputações, enfim, a mídia mesmo
se converte em um atentado `a liberdade de expressão. A violencia legítima do
parlamentar não pode ser comparada `a violencia da mídia. No mesmo sentido,
ainda que os Black Blocs nos assustem, sejam instrumentalizados e desagregem algunas
bandeiras de luta, tratar sua violência como “terrorismo social”(sic!) é
desconhecer as implicações políticas do uso de tal termo e os custos a serem
pagos pelos lutadores e lutadoras sociais ao introduzí-lo no léxico político do
país. As manifestações “extremas” estão acontecendo em um contexto extremo de
abuso do poder público, de violência policial e de autoritarismo midiático. Não
estariam os black blocs na verdade reivindicando para sí parte da violencia
monopolizada pelos meios de comunicação e pela policía? Não estaría aí a razão
da tentativa, em vão, da Globo e cia em tirar dividendos políticos das
manifestações?
No
bojo da etiqueta “terrorismo” vem a tática facista que a direita parece ter
conseguido pulverizar entre muitos de nós: a criminalização dos movimentos
sociais. Esta seria a nossa maior derrota política e o governo Dilma Rousseff realmente
não necessita desta trágica vitória para manter sua popularidade. Ainda que boa
parte dos protestos de junho de 2013 tenham desembocado em uma agenda
partidária/midiática na busca pela inviabilidade do governo e da reeleiçao da
presidenta Dilma - e ainda que haja uma violencia condenável por parte de
jovens aderentes ao quebra-tudo - seria
uma tragédia os petistas (e a blogosfera simpatizante) convergirem com Veja e
Globo na exploração insidiosa da morte do cinegrafiasta da Band e na
criminalização dos ativistas sociais.
Aqueles
e aquelas torturadas na ditadura como terroristas, assassinados nas favelas
como bandidos, espancados nos protestos pela reforma agraria como neobobos….
sabem que a linha que demarca os limites do protesto e da ordem é bastante
arbitrária porque depende de quem tem o poder de definir-la. Parafraseando a
própria presidenta Dilma - em sua indisposição em enfrentar a violência diária
da mídia - não é preferível o barulho das ruas do que o silêncio da ditadura?
Há
leis suficientes no Brasil que regulam as manifestações populares e protestos.
Não necessitamos de uma lei anti-terror para conter a violência de alguns
manifestantes, ou de grupos infiltrados (black blocs, P2…) nas lutas sociais. O
que nos faltam são uma polícia civilmente preparada para a democracia e governos
mais abertos `as vozes das ruas e mais intolerantes com o autoritarismo da
mídia. Os governos autoritários de
Cabral (PMDB) e Alckmin (PSDB) têm na violencia policial, muito antes do
surgimento dos black blocs, sua tática
de guerra, assim como o jornalismo econômico tem sua tática do caos.
A
morte de Santiago Andrade foi uma tragédia, não foi um cálculo politico de
jovens terroristas. Do mesmo modo, somente quem não tem “experiencia” de lutar
nas ruas pode associar as “vaquinhas” que a militância sempre faz e sempre fez
- para comprar a água, a passagem, o lanche, as bandanas, apoiar os condenados
injustamente ….- como “apoio financiero
ao terrorismo”. A estratégia covarde de criminalizar a solidariedade dos
movimentos sociais encontra - no contexto de nossa campanha coletiva pelo
presos políticos Dirceu, Genoino, Cunha e Delúbio – uma flagrante
contradição.
Ouvindo
a exploração do “assassinato” no editorial do Jornal Nacional fica mais visível
que profissionais como Andrade são também vítimas das empresas nas quais
trabalham. O jornalismo criminoso praticado nas grandes redações expõe seus
profissionais e é combustível perigoso para uma juventude que não encontra
canais de expressão para suas pautas políticas. A imprensa alternativa que se
quer plural e de esquerda faria melhor se distanciando do discurso autoritário
da grande mídia. Não se trata de defender os black blocs, mas de contextualizar
os diferentes empregos da violencia como meio e como fim.
Quando
do julgamento da ação penal 470 enviei um email pouco educado ao deputado Ivan Valente cobrando uma postura coerente.
Não havia visto um posicionamento seu, tampouco do partido, em defesa das
lideranças do PT “assassinadas” políticamente. O silêncio de boa parte da
esquerda em relação `a flagrante agenda autoritária do complexo STF/conglomerados
de mídia de destruição do PT – em que pesem os erros estratégicos dos governos
Lula e Dilma - é uma covardia que deixa aqueles `a esquerda do PT mais
pequenos. O “mensalão” conseguiu reunir, por cumplicidade e omissão, esquerda e
direita contra o PT. Do mesmo modo, se unir ao coro de Globo e cia na
criminalização de partidos como o PSTU e o Psol é um caminho que suja a
história do Partido dos Trabalhadores e acende uma luz vermelha nas conquistas
democráticas.
A
impresa alternativa – principalmente a blogosfera na qual buscamos as contranarrativas
- tem nos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro a sua prova de fogo. É assumir
os ideais da esquerda democrática – o que significa empurrar o PT à esquerda,
criticar a violencia como meio, buscar uma unidade estratágica contra a direita
- ou se sucumbir ao discurso da orden a
qualquer preço. Se a escolha for pela segunda opção, que não encham o saco. Já
estamos satisfeitos com Folha, Veja e Globo.
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