15 de fev. de 2014

A MAGIA DA RETORICA AUTORITARIA: o terrorismo no léxico político da mídia alternativa

Jaime Amparo Alves

A magia da retórica autoritária: de repente uma preocupante afinidade discursiva entre representantes da imprensa alternativa - principalmente a combativa blogsfera - e a grande mídia. A morte do cinegrafista da TV Bandeirantes, Santiago Andrade, se transformou em um prato-cheio para jornalistas e blogueiros progressistas vomitarem adjetivos como “criminosos”, “homicidas” e “terroristas” como se trabalhassem nas redações de Veja ou da Globo. A ativista Elisa Quadros “Soninho” é classificada como “fria e com uma disposição quase infinita para tocar o terror”, o deputado Marcelo Freixo visto como “financiador da violência” e advogados-militantes como co-participantes em atos delinquenciais. Quem de nós, militantes sociais, estará salvo destes rótulos?

Os black blocs são controversos em seu usos da violência como meio, mas não são terroristas. Ponto! Com um pouco de boa-fé dá para saber que os dois jovens acusados pelo  “homicídio” de Santiago Andrade não premeditaram “assassinar”  um profissional da imprensa, como a verborragia facista quer fazer crer. Ao invés de seguirmos a trilha perigosa da direita brasileira, deveríamos ser  mais inquisitivos sobre a mensagem que nos querem transmitir e mais curiosos ainda sobre o contexto político que possibilitou seu surgimento entre nós.

Os Black Blocs surgem no Brasil em um contexto de repressão policial e de monopólio da voz que deixa poucas alternativas para as vozes dissonantes. Quando um deputado federal rasga na tribuna da Câmara uma revista semanal de informação, o faz  porque a violência da mídia sequestra seu direito, julga, assassina reputações, enfim, a mídia mesmo se converte em um atentado `a liberdade de expressão. A violencia legítima do parlamentar não pode ser comparada `a violencia da mídia. No mesmo sentido, ainda que os Black Blocs nos assustem, sejam instrumentalizados e desagregem algunas bandeiras de luta, tratar sua violência como “terrorismo social”(sic!) é desconhecer as implicações políticas do uso de tal termo e os custos a serem pagos pelos lutadores e lutadoras sociais ao introduzí-lo no léxico político do país. As manifestações “extremas” estão acontecendo em um contexto extremo de abuso do poder público, de violência policial e de autoritarismo midiático. Não estariam os black blocs na verdade reivindicando para sí parte da violencia monopolizada pelos meios de comunicação e pela policía? Não estaría aí a razão da tentativa, em vão, da Globo e cia em tirar dividendos políticos das manifestações?

No bojo da etiqueta “terrorismo” vem a tática facista que a direita parece ter conseguido pulverizar entre muitos de nós: a criminalização dos movimentos sociais. Esta seria a nossa maior derrota política e o governo Dilma Rousseff realmente não necessita desta trágica vitória para manter sua popularidade. Ainda que boa parte dos protestos de junho de 2013 tenham desembocado em uma agenda partidária/midiática na busca pela inviabilidade do governo e da reeleiçao da presidenta Dilma - e ainda que haja uma violencia condenável por parte de jovens aderentes ao quebra-tudo -  seria uma tragédia os petistas (e a blogosfera simpatizante) convergirem com Veja e Globo na exploração insidiosa da morte do cinegrafiasta da Band e na criminalização dos ativistas sociais.

Aqueles e aquelas torturadas na ditadura como terroristas, assassinados nas favelas como bandidos, espancados nos protestos pela reforma agraria como neobobos…. sabem que a linha que demarca os limites do protesto e da ordem é bastante arbitrária porque depende de quem tem o poder de definir-la. Parafraseando a própria presidenta Dilma - em sua indisposição em enfrentar a violência diária da mídia - não é preferível o barulho das ruas do que o silêncio da ditadura?

Há leis suficientes no Brasil que regulam as manifestações populares e protestos. Não necessitamos de uma lei anti-terror para conter a violência de alguns manifestantes, ou de grupos infiltrados (black blocs, P2…) nas lutas sociais. O que nos faltam são uma polícia civilmente preparada para a democracia e governos mais abertos `as vozes das ruas e mais intolerantes com o autoritarismo da mídia.  Os governos autoritários de Cabral (PMDB) e Alckmin (PSDB) têm na violencia policial, muito antes do surgimento dos black blocs, sua  tática de guerra, assim como o jornalismo econômico tem sua tática do caos.

A morte de Santiago Andrade foi uma tragédia, não foi um cálculo politico de jovens terroristas. Do mesmo modo, somente quem não tem “experiencia” de lutar nas ruas pode associar as “vaquinhas” que a militância sempre faz e sempre fez - para comprar a água, a passagem, o lanche, as bandanas, apoiar os condenados injustamente ….-  como “apoio financiero ao terrorismo”. A estratégia covarde de criminalizar a solidariedade dos movimentos sociais encontra - no contexto de nossa campanha coletiva pelo presos políticos Dirceu, Genoino, Cunha e Delúbio – uma flagrante contradição. 

  Ouvindo a exploração do “assassinato” no editorial do Jornal Nacional fica mais visível que profissionais como Andrade são também vítimas das empresas nas quais trabalham. O jornalismo criminoso praticado nas grandes redações expõe seus profissionais e é combustível perigoso para uma juventude que não encontra canais de expressão para suas pautas políticas. A imprensa alternativa que se quer plural e de esquerda faria melhor se distanciando do discurso autoritário da grande mídia. Não se trata de defender os black blocs, mas de contextualizar os diferentes empregos da violencia como meio e como fim.

Quando do julgamento da ação penal 470 enviei um email pouco educado ao deputado  Ivan Valente cobrando uma postura coerente. Não havia visto um posicionamento seu, tampouco do partido, em defesa das lideranças do PT “assassinadas” políticamente. O silêncio de boa parte da esquerda em relação `a  flagrante  agenda autoritária do complexo STF/conglomerados de mídia de destruição do PT – em que pesem os erros estratégicos dos governos Lula e Dilma - é uma covardia que deixa aqueles `a esquerda do PT mais pequenos. O “mensalão” conseguiu reunir, por cumplicidade e omissão, esquerda e direita contra o PT. Do mesmo modo, se unir ao coro de Globo e cia na criminalização de partidos como o PSTU e o Psol é um caminho que suja a história do Partido dos Trabalhadores e acende uma luz vermelha nas conquistas democráticas.


A impresa alternativa – principalmente a blogosfera na qual buscamos as contranarrativas - tem nos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro a sua prova de fogo. É assumir os ideais da esquerda democrática – o que significa empurrar o PT à esquerda, criticar a violencia como meio, buscar uma unidade estratágica contra a direita -  ou se sucumbir ao discurso da orden a qualquer preço. Se a escolha for pela segunda opção, que não encham o saco. Já estamos satisfeitos com Folha, Veja e Globo.   

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