19 de mar. de 2016

O ocaso do petismo e as tarefas da esquerda brasileira: apontamentos para debate

José Carlos Freire[1]

Em uma ceia, prolongada noite adiante, perguntara alguém as horas ao suíço de serviço; ao que este, olhando para o relógio, e verificando que era passada a meia-noite, respondeu: “Já é amanhã, meus senhores”.

Essa anedota foi recolhida por Alberto Torres quando, no início do século XX, enfrentava a tarefa de pensar os limites da República Velha e consequentemente propunha os rumos para superar seus problemas fundamentais. Guardadas as devidas diferenças de contexto histórico e ressalvadas as posições ideológicas do autor, ela bem que poderia ser aplicada a uma reunião da esquerda no tempo presente da história brasileira.
A pauta da reunião da esquerda teria dois itens fundamentais: primeiro, o informe de que o intervalo do petismo dentro do bloco histórico hegemônico burguês acabou; segundo, os encaminhamentos daí decorrentes. É claro que na política, como na vida, nada é simples. O ocaso do petismo apresenta desafios urgentes, no qual se situa o debate sobre a intensificação da ofensiva de direita por meio dos órgãos de imprensa. Ainda assim, penso ser o momento de muita frieza e cautela no debate porque se é grande o desafio imediato da conjuntura, maiores serão os desafios colocados à esquerda nos próximos anos: reconstruir um projeto popular para o Brasil distante do petismo.
As modestas reflexões aqui colocadas são tentativas de contribuir para o debate, limitadas e certamente cheias de lacunas[2]. O urgente parece ser distinguir as táticas imediatas de combate a esta espécie de “midiocracia” burguesa que vivenciamos da ação estratégica de construção de um projeto popular para o Brasil, participativo e democrático, que resgate o referencial do socialismo sequestrado pelo petismo e confinado aos limites da burocracia estatal, ao pragmatismo político e à manutenção do poder.


  1. Tentando compreender o ocaso do petismo

Enquanto vejo o noticiário para saber quais as novidades de show da realidade que virou a política brasileira, sigo escutando o tilintar das enxadas das trabalhadoras que limpam as ruas de pedra do bairro. Trabalho ingrato e duro, sem as mínimas condições de proteção do sol e do calor, sem a mínima assistência do poder público que as lança às ruas como as mineradoras lançam os mineiros às montanhas, contando simplesmente com a boa vontade dos moradores em ceder-lhes um copo d’água ou o banheiro para uso, elas seguem, duramente existindo, bravamente resistindo.
A situação destas trabalhadoras se assemelha à daqueles em estado de semiescravidão das lavouras de cana, dos que oscilam entre o desemprego fruto da implementação tecnológica do agronegócio e o subemprego nas panhas de café, retiro de leite e colheita de frutas, dos que se matam por um salário miserável nas capitais do Brasil. As condições desses trabalhadores reais, como estas que a minha porta enxugam o suor no escaldante sol de Teófilo Otoni, substancialmente, não se alteraram no intervalo que foi os Governos do PT. O que não implica em dizer que benefícios sociais não foram realizados. O determinante é que estruturalmente o Brasil não se alterou. Daí a dificuldade de se criticar o petismo que se mostrou tão aguda nos momentos de eleição em 2006, 2010 e 2014. Mudou ou não mudou? O pensamento binário – do qual também servem de exemplo “PT ou PSDB?”, “Dilma ou Aécio?”, “Lula ou FHC?” e tantos outros a que a mídia nos leva a pensar e que o petismo ajudou a alimentar – não nos ajuda. O Brasil mudou e não mudou. E nessa amálgama de mudança e permanência, alma da história, considerando que em nenhum momento a hegemonia burguesa foi ameaçada, o pouco que mudou não alterou o predominante que não se alterou. A sutil diferença dos governos Lula e o primeiro mandato de Dilma em relação aos governos anteriores do período pós-redemocratização não alterou o essencial: continuamos um país subdesenvolvido, com uma gritante segregação social, dependência econômica crescente, não apenas com pouca industrialização, mas com desindustrialização e uma democracia de fachada que transforma o popular em plateia e o parlamentar em palco.
Nesse registro interpretativo, não só porque não conseguiria fazer uma análise consistente do ocaso do petismo, mas porque penso que os elementos essenciais já foram colocados no debate, destacado quatro abordagens: Fernando Silva, em seu texto “Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas”[3]; Fábio Nassif, com “É possível combater a direita e dizer adeus ao lulismo”[4]; Mauro Iasi, com “A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose”[5]; e Valério Arcary, no texto de 2015 “É possível reconstruir uma esquerda revolucionária depois da ruína do PT ou esta soterrará toda a esquerda?”[6]. Passo a alinhavar livremente alguns pontos presentes nestas análises que me parecem convergentes, substancialmente, e podem nos dar pistas para entender o processo para além da avalanche de elementos que a conjuntura diariamente nos impõe:

·      A responsabilidade primeira por termos chegado aonde estamos cabe aos governos petistas. O modelo de desenvolvimento (neo-desenvolvimento, social-desenvolvimento, enfim, palavras tantas usadas para ocultar a essência que é mesma), calcado, na agroexportação extrativista, com tímida distribuição de renda sem mexer nos lucros do capital financeiro representa uma forma de conciliação de classes, expressa no lulismo. Mais que isso, a opção de conciliação com a burguesia nefasta que temos no Brasil implica, necessariamente, em traição de classe. Num contexto específico de ampliação de mercado na periferia, grande quantidade de capital disponível, numa margem grande de manobras, Lula foi aceito pelo capitalismo global. De sua parte, ele agradeceu o acolhimento, aplicou as medidas necessárias – já previstas na Carta ao Povo Brasileiro de 2002 – e convenceu as massas de que estas regras do jogo eram administráveis. O efeito colateral trágico foi a despolitização das classes populares. Ao desarmar os movimentos sociais de sua autonomia necessária, ao congelar a reforma agrária com o agronegócio, ao responder ao extermínio de jovens e negros da periferia e ao tratamento das posições de esquerda como fatos policiais pela Lei Antiterrorismo, entre tantas outras ações ao longo destes 13 anos, o PT desorganizou as classes trabalhadoras e deslocou o campo da luta para o Estado, onde a burguesia tem o mando de campo, é dona do uniforme, da bola, contrata o juiz e ainda cobra ingresso.
·      O momento atual do PT não é fruto do acaso, e sim decorrência do caminho que o partido escolheu. Da articulação entre conquista de espaço no poder, de um lado, e a construção de um movimento de massas de outro, modelo que está na origem do Partido dos Trabalhadores, caminhou-se paulatinamente para a ênfase na disputa pelo poder para que depois se buscasse avançar rumo ao socialismo. Um programa antilatifundiário, anti-imperialista e antimonopolista exigiu, gradativamente, do partido a acomodação de táticas cada vez mais flexíveis para se chegar ao governo. Quando lá se chegou, a antiga articulação entre busca do poder e avanço da organização de massas cedeu lugar à estrita manutenção do poder, reduzida a alianças parlamentares e performances eleitorais. Ampliar alianças, vencer eleições e garantir a governabilidade. Do ponto de vista de um “partido”, tecnicamente correto; do ponto de vista “dos trabalhadores”, cooptação.
·      A direita não precisa mais de intermediários, prefere governar diretamente. Ao tentar se livrar de Lula, a burguesia se orienta pela estabilidade. Não que Lula represente um projeto socialista de enfrentamento, o que colocaria o cenário eleitoral de 2018 como incerto. Mas porque, dadas as necessidades de aprofundamento da ofensiva neoliberal, não cabe absolutamente nenhuma concessão às classes populares, nem mesmo aquelas que o modelo de conciliação em um momento anterior tornou possível. A margem de manobra que a conjuntura de 2003 e seguintes permitiu não existe mais. É para retomar o governo de forma direta e empreender avanços no modelo neoliberal que todo o circo se arma, não porque Lula ou PT represente a esquerda ou o socialismo.
·      A defesa do governo Dilma e de Lula pela esquerda representa uma armadilha. Não obstante o jogo ilícito jurídico-midiático armado, não cabe à esquerda efetivamente comprometida com a transformação social fazer coro às manifestações de apoio ao governo que misturam, de modo deliberado, denúncia ao modo como a ofensiva da direita se apresenta com uma necessidade de defesa de Lula e Dilma. São coisas distintas. Ademais, a defesa incondicional do governo e de Lula, como apresentam os setores petistas e que seduz enorme parcela dos setores da esquerda, implica quase que de modo fatal o silêncio sobre a corrupção, sobre o enriquecimento de lideranças populares, sobre o modo com se rasgou a ética o espírito republicano, reduzindo-se tudo à tese do golpismo.
·      Defender o lulismo implica em aceitar as condições da hegemonia burguesa. O resgate do lulismo, na forma messiânica que os setores mais à direita do PT propõem, é o mesmo que defender as pazes com a burguesia corrupta brasileira, que não tem projeto nacional de sociedade que possa realizar mudanças civilizatórias profundas, muito menos em aliança com a classe trabalhadora. Acreditar que esta burguesia possa defender bandeiras anti-imperialistas, antimonopolistas e antilatifundiárias representa uma ingenuidade que a esquerda brasileira já deveria, no seu conjunto, ter superado há muito tempo. No limite, retomar a conciliação de classe, o lulismo, ainda que hipoteticamente possível, implica em aceitar as regras atuais do jogo, que são piores que as de 2003: avançar sobre os trabalhadores nos seus direitos mais elementares. O preço da governabilidade, no contexto de hoje, não é a flexibilização ou mistificação de um programa democrático popular e sim a sua renúncia radical e irrestrita.
·      É necessário defender de modo crítico o Estado democrático de direito e denunciar o papel da mídia. Não podemos nos calar diante dos métodos judiciais aplicados nos últimos dias que, além de questionáveis e fundados em interpretações mais políticas que jurídicas, coloca uma linha direta entre Polícia Federal e grande mídia, especialmente a Rede Globo. Vivemos uma espetacularização do político que combina o princípio do “pão e circo” dos seculares modelos de dominação com os sofisticados instrumentos seletivos de informação. Ocorre que a mídia burguesa e a elite brasileira sempre foram reacionárias, o que não significa que devamos isentar de responsabilidade quem se aliou a elas. O PT propagou a ilusão de que poderia tê-las como aliadas, negociou com elas e governou para elas. A defesa do Estado democrático deve se basear na garantia da legalidade, para que o que fazem hoje com Lula e o PT não se torne um elemento da cultura política e, portanto, apresente-se como naturalizado.
·      É preciso muita cautela com a tese do golpe. O modo apressado com que os governistas interpretam o momento como golpe, associando-o sem mediação alguma com o contexto de 1964 é perigoso. Potencializada pelas redes sociais, a tese do golpe ganha espaço crescente. Ainda que evidente a manipulação de interesses e informações, não temos, ainda, um processo que coloque partidos na ilegalidade, feche sindicados e movimentos sociais, proíba a liberdade de expressão, exile políticos etc.
·      Nem Lula pode salvar o projeto petista de poder. Há uma articulação direta entre o agravamento da crise social e econômica que atinge os trabalhadores, por um lado, e a insatisfação de setores da classe dominante – parte do mercado financeiro e a grande mídia corporativa, por outro. O que nos impede de pensar o “efeito Lula” como solução mágica. Nem com toda alquimia política, Lula poderia, neste contexto, que difere radicalmente de seu primeiro mandato, articular interesses díspares como são a necessidade do grande capital e as das classes populares. Não há mais margem de manobra. Não deve ser subestimada a capacidade política de Lula e talvez até venha a reerguer seu projeto de voltar ao poder, na cadeira presidencial. Mas será outro momento, outro Lula e não a pura reedição de 2003.
·      Enquanto a direita se articula com facilidade a esquerda é heterogênea.  Mesmo que possamos formular de modo variado a configuração da esquerda – quer dividida entre reformistas, centristas e revolucionários, quer, numa outra forma, dividida entre moderados e radicais, o fato é que em conjunturas distintas a esquerda tem comportamento diferenciado no seu interior. Simplificando ainda mais, no nosso caso, poderíamos falar de uma esquerda que se opõe ao petismo e uma que ainda aposta nele. Como nas conjunturas das últimas eleições presidenciais, quando se descortinou a ameaça efetiva do retorno de um governo de direita (ressalvando-se que, nesta leitura, o PT seria de esquerda), no presente, a tendência é de uma hegemonia, no campo da esquerda, do reformismo. Enquanto a esperança seria de que setores e agentes progressistas desembarcassem do governo para fortalecer uma plataforma de esquerda mais combativa, o que ocorre é que muitos setores titubeantes que ensaiavam uma ruptura acabam por reembarcar no trem do governo. Numa palavra: a esquerda de oposição ao governo precisa de muito trabalho, debate, paciência, articulação e organização para se mover no terreno argiloso que reduz todo jogo a uma disputa entre os do bem (pró-governo) contra os do mal (antigoverno).

Evidentemente a situação exige uma análise muito maior. No entanto, os elementos acima parecem suficientes para pensarmos os desafios que se colocam para a esquerda brasileira atual, tomada, nestas breves reflexões, como o conjunto das forças sociais que, situadas na defesa das classes trabalhadoras, colocam-se contrárias tanto ao governo quanto à ofensiva da direita, rompendo o dualismo nefasto em que fomos lançados.


2.     Tarefas urgentes para a esquerda

Passo a elencar algumas tarefas que me parecem imprescindíveis. Longe de qualquer pretensão de receituário ou coisa do tipo, nada mais são do que tarefas permanentes da esquerda que, em alguns contextos, se apresentam de modo mais urgente, como é o caso brasileiro atual.


a)     Esforçar-se por distinguir as coisas de modo crítico

“Buscar a real identidade na aparente diferença e contradição, e procurar a substancial diversidade sob a aparente identidade é a mais delicada, incompreendida e, contudo essencial virtude do crítico das ideias e do historiador do desenvolvimento histórico”
 (Antonio Gramsci)


Na avalanche de coisas que a conjuntura nos lança a cada dia, a cada hora quase, torna-se difícil compreender quem é quem e que jogo é jogado. Esta dificuldade é tanto maior quanto for o isolamento do militante de esquerda. Aponto apenas três elementos que me parecem urgentes para fomentar o debate. Claro que há muitos outros. Primeiramente, parece-me fundamental superar a aparente associação que é feita entre oposição ao governo do PT e negação das conquistas realizadas desde 2002 no plano social. Ser contrário ao governo não é o mesmo que negar o avanço representado pela inclusão de jovens pobres e de negros na Universidade, a expansão do ensino superior público, o debate e ações em torno da diversidade afetivo-sexual, o enfrentamento da violência contra a mulher, a demarcação de terras indígenas e quilombolas, ainda que insuficientes. Estas conquistas, inclusive, não podem ser atribuídas exclusivamente ao governo, mas também à luta histórica de movimentos diversos que por elas batalharam. A saída para esta confusão de ideias parece estar em compreender que a correlação de forças, políticas e econômicas, nacionais e internacionais, permitiu este avanço em um momento, agora não permite mais, mesmo com toda a retórica de luta empreendida por Lula. E não se trata de um agora imediato: a inflexão já se acentua desde o primeiro mandato de Dilma.
Um segundo ponto é a insistência quase religiosa dos setores governistas em opor o programa do PT ao do PSDB como extremos. Ressalvadas as origens dos dois partidos e sua composição, programaticamente situam-se na defesa da mesma ordem burguesa. Deste imbróglio, resultam as propostas capitaneadas, mas não monopolizadas, por atores como a CUT e a UNE: apoio ao governo e cobrança por mudança no modelo econômico para favorecer os trabalhadores, como se fossem ações convergentes e não opostas. O caso do MST é a dor mais doída, não apenas por sua demora em romper com o lulismo que se prolonga demais, mas porque guarda em suas bases uma experiência de formação e organização e um potencial de lutas enormes. A saída dessa confusão parece ser a necessidade de se colocar em primeiro plano o posicionamento de classe e não o posicionamento de poder, da qual decorrerá a constatação de que, substancialmente, PT e PSDB não se diferem mais.
Em terceiro, tomado aqui de modo muito genérico, refiro-me ao conceito de bloco histórico, entendido como o modo pelo qual economia, política e ideologia se articulam no interior de uma sociedade em um período histórico determinado. Corremos o risco, numa leitura apressada, de afirmar que achegada de Lula à presidência inaugurou um novo bloco histórico, este mesmo que a elite brasileira e seus órgãos de imprensa estariam propondo agora o fechamento por meio de um golpe. No entanto, se atentarmos para o fato de que, para chegar ao poder, o PT teve, como nos mostra detalhadamente Mauro Iasi em seus estudos, de negociar seu programa e abrir mão de seu caráter socialista, concluiremos que o breve intervalo petista não alterou o capítulo burguês pós-64. Em outros termos, o bloco histórico pós-golpe militar consolidou, dito aqui sem maiores aprofundamentos, um tipo de capitalismo dependente no Brasil que mesmo a redemocratização e a ascensão do PT ao poder não conseguiram alterar. Aliás, Lula foi um agente, naquele momento, necessário exatamente para combinar desigualdade social interna administrada por benefícios sociais e aumento do crédito – estas mesmas medidas que ele cobra hoje do Governo Dilma – com alta lucratividade do grande capital nacional e, principalmente, internacional.
Ocorre que dentro de um bloco histórico, pode haver pequenos intervalos que não invalidam a lógica dominante. Quando um intervalo termina (“já é amanhã, meus senhores”), não significa que há um novo bloco, apenas a continuidade do que já estava afirmado.  A suposta ruptura que o PT teria representado na sociedade brasileira – propagandeada pelo ideário do novo-desenvolvimentismo e conceitos similares – nada mais foi que uma variação no modo e na intensidade como a burguesia brasileira administra o país desde 1964, ali sim, o início de um bloco histórico que não está nem de longe ameaçado de ruir. Só ruirá quando houver real enfrentamento da dominação burguesa pela organização popular e discussão efetiva de nossos problemas estruturais. Fora isso, se é Lula, se é Dilma, se é Temer ou se é Aécio, trata-se apenas de escalação diferente para o mesmo time. Lula, outrora atacante e artilheiro, caiu para zagueiro, gandula e, por fim, é convidado a se retirar do campo e do estádio. O jogo continuará. Agora, é melhor sem ele. Mas o mercado da bola transforma vilões em heróis. Nas curvas nebulosas da política brasileira, poderá ele ser ainda contratado? Desconfio que não. Ele parece apostar que sim. De qualquer modo, ironicamente, os torcedores deste grande espetáculo futebolístico vestem a camisa da ilibada e altamente respeitada CBF. O povo brasileiro, bem, este permanecerá de fora, recolhendo latas amassadas.

b)    Conservar a experiência original do PT de base e superar o mito Lula

Aufheben era o verbo que Hegel preferia, entre todos os verbos do idioma alemão. Aufheben significa, ao mesmo tempo, conservar e anular; e assim presta homenagem à história humana, que morrendo nasce e rompendo cria”  
(Eduardo Galeano)

A superação de Lula como mito messiânico que resolverá todos os problemas precisa ser enfrentada com coragem e seriedade pela esquerda. Mito se supera com leitura histórica concreta. Ainda que se safe no tribunal da Lava Jato, naquele que é mais importante para nós, o tribunal da luta concreta dos trabalhadores, neste, Lula perdeu em todas as instâncias, ainda que tenha entrado com muitos recursos que precisem ser analisados. Será o processo difícil de superação de um mito. Mas nem mesmo mil discursos inflamados de Lula podem abalar a convicção daqueles que com seriedade, sem demagogia e sem pragmatismo político empreendem uma busca efetiva por transformação social no Brasil. Ouvir Lula, é certo, é sempre um risco. Alquimista da política, ele enfeitiça.
No entanto, Lula não esgota tudo o que foi o PT. Nesse sentido, a experiência original de base do partido é algo que precisamos revisitar, de modo crítico. Ainda que se considere que desde o início a cúpula sindical sempre se pautou pelo modelo de conciliação, verdade é que nas comunidades, nos núcleos de base a experiência do partido como construção popular foi rica e representa um dos momentos mais significativos da nossa história. E isto não se deu apenas nas regiões industriais, entre a parcela proletarizada dos trabalhadores brasileiros. Deu-se também em iniciativas pelo interior do Brasil de luta pela terra, organização de sindicatos rurais, entidades de formação de quadro que ainda hoje resistem apesar da cúpula do PT. O partido abarcou forçar sociais variadas, movimentos, grupos de igreja etc. Antes de se tornar um partido “do capital”, em situações reais, não apenas no discurso do Lula, ele foi “dos trabalhadores”. Esta experiência deve ser conservada e recriada sob novos referenciais.

c)     Formação política, vinculação a coletivos de luta e aposta na juventude

“É preciso reconhecer que a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro é problemático e não inexorável”.
(Paulo Freire)

A militância de esquerda sempre exigiu um esforço sobre-humano: além das lutas, além do trabalho, além da sobrevivência, ainda é preciso estudar, formar-se. O momento exige, de modo especial, capacidade de entendermos de onde viemos e como chegamos a este ponto. Sem isso, dificilmente traçaremos propostas factíveis de futuro.
Os tempos que se avizinham não serão fáceis, exigirão de nós muita convicção pessoal e o necessário engajamento em coletivos de luta ou fortalecimento daqueles que já o fizeram. Dos mais variados, não pesa tanto agora qual partido ou movimento, desde que se pautem por um caminho de ruptura – ainda que leve muito tempo – e não de conciliação. Também teremos de nos adaptar, no conjunto da esquerda, com o que passou aquela sua parcela que se manteve ao longo desses anos em oposição ao governo: sem financiamento, sem auxílio do governo, sem ônibus ou passagem para viagens, sem a mínima estrutura para organização de eventos. Voltaremos a condições gerais de luta muito difíceis. Na provável quadra história de direita, não só no Brasil, mas na América Latina, teremos de nos fortalecer teoricamente e com ações práticas dentro das possibilidades e determinações de cada movimento, região ou situação.
O que não podemos, neste contexto, é confundir dificuldade com impossibilidade. O que deve mover um militante de esquerda nos tempos que se iniciam é a convicção expressa por Vandré em uma de suas canções: “Eu canto o canto, eu brigo a briga, porque sou forte e tenho razão”. Força e razão que serão maiores na medida em que conseguirmos romper o isolamento e a dificuldade de diálogo no interior da esquerda, por vezes, tão presa a discussões escolásticas e definições linguísticas.
Por mais longa que possa ser a caminhada, ela exige convicção dos mais experientes e aposta nos mais jovens. Os espaços precisam ser criados ou fortalecidos. O que não pode faltar é esperança. A esperança crítica de que falava Paulo Freire. Que não implica em um imobilismo acomodado, mas na imersão radical em um processo mesmo sabendo que os resultados podem não ser imediatos. Nas palavras de Pedro Casaldáliga, “saber esperar, sabendo, ao mesmo tempo, forçar as horas daquela urgência que não permite esperar”.


d)    De imediato: e agora?

Pode ser que ainda não seja a hora de uma nova esquerda socialista de
 massas, mas nunca será se ficarmos aprisionados nas velhas âncoras
que podem nos levar juntos ao fundo mar”.
(Fábio Nassif)

Estas breves ponderações não resolvem a questão central que nos inquieta: o que fazer nos dias que correm com ações cada vez mais ofensivas da direita para tirar o PT de cena, com um braço jurídico e outro midiático, a velha combinação de força e consenso que Maquiavel já nos havia ensinado há tempos. É claro que, em contraponto aos protestos contra Dilma e contra o reingresso formal de Lula no governo, haverá manifestações nos próximos dias pelo país de apoio. A história não permite que tenhamos a compreensão total das coisas, para só depois nos posicionarmos. Ela vai acontecendo, sem nos esperar.
É muito difícil que em uma manifestação contra a mídia e as ações arbitrárias da Polícia Federal, resumidas na ideia do “contra o golpe”, não haja uma decorrência espontânea para o apoio ao governo e, diretamente, a Lula. Será possível pautar estas reais ameaças ao Estado de Direito e ao mesmo tempo colocar-se contra o governo que empreende um acirramento da ofensiva neoliberal?  É algo que as bases organizadas de cada manifestação devem debater. Seria descabido apontar uma resposta válida para todos os casos.
As duas propostas ventilidadas em setores mais combativos da esquerda, o “Fora todos!” e “Eleições gerais já!, em tese são coerentes com o que o momento pede, mas esbarram na falta de organização popular que as respalde. O cenário, embora mude toda hora, parece apontar para a opção da direita pelo impedimento de Dilma, o que coloca o poder nas mãos do PMDB e, certamente, freará a força das investigações. Tirando o PT, dificilmente a Lava Jato manterá seu vigor. O bloco histórico se acomoda e voltamos à normalidade. Isso indica que a ideia de novas eleições vai esbarrar não só na falta de organização da base mas também na resistência da direita.
 Sem bola de cristal, sem passe de mágica, resta-nos a paciência e o diálogo como forma de reagir à intolerância, o encontro face a face com companheiros de luta para resistir ao isolamento e a construção coletiva como forma de traçar caminhos coerentes com um projeto popular, democrático e socialista. Não será fácil. O que não significa que é impossível.




[1] Professor na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM. Campus de Teófilo Otoni/MG. Email: freire.jose@hotmail.com
[2] O texto se distancia de qualquer proposta de análise especializada sobre a política ou a conjuntura. É muito mais uma tentativa de debater sobre o momento presente em continuidade com os muitos diálogos com companheiros e alunos, em especial, da disciplina de Ciência Política no atual semestre.
[3] SILVA, Fernando. “Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas”. Correio da Cidadania. 11/03/2016. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11491:2016-03-12-00-01-09&catid=72:imagens-rolantes
[4] NASSIF, Fábio. “É possível combater a direita e dizer adeus ao lulismo”. Correio da Cidadania. 05/03/2016. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11477:2016-03-05-14-39-19&catid=72:imagens-rolantes
[5] IASI, Mauro. “A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose”. Blog da Boitempo. 10/03/2016. Disponível em: http://blogdaboitempo.com.br/2016/03/10/a-crise-do-pt-o-ponto-de-chegada-da-metamorfose/
[6] ARCARY, Valério. “É possível reconstruir uma esquerda revolucionária depois da ruína do PT ou esta soterrará toda a esquerda?”. Correio da Cidadania. 05/10/2015. Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11138:2015-10-06-00-07-31&catid=25:politica&Itemid=47

17 de mar. de 2016

Lula: 'Estou assustado é com a República de Curitiba'


Os inimigos de Lula e os milhões de Silvas

Por Jaime Alves*

"Não parece razoável o que estão fazendo com o Lula". A frase do tucano Luís Carlos Bresser-Pereira poderia ser o sinal da tão esperada distensão politica, mas não é por um único motivo: Lula não é adversário, é inimigo. Ao adversário se estende a mão, reconhece-se a sua dignidade humana e se respeita as regras do jogo. Lula nunca foi aceito. Desde o primeiro dia do primeiro mandato, Lula tem sido submetido a um ataque sistemático. A Folha de S. Paulo investigou uma tal propensão genética da família Silva ao álcool, a Revista Veja já celebrou o 'câncer do presidente' e o Globo já apresentou Lula como presidiário em suas charges. Tudo isso sem falar na violência sanitarizada dos telejornais da Globo com seus apresentadores cinicamente consternados com a corrupção no país, enquanto o nome emissora (agora a RBS) aparece em mais um escândalo fiscal. Na ausência absoluta de padrões éticos jornalísticos, nos resta perguntar se a raiva irracional de William Waack contra Lula, Hugo Chaves e Cristina Kirchner, por exemplo, não seria o caso de tratamento psiquiátrico.
No fundo no fundo, até os incendiários Aécio Neves e Carlos Sampaio sabem que "não é razoável" como a imprensa trata o ex-presidente Lula. Mas Lula da Silva foi longe demais em sua loucura política de desafiar o establishment; e olhe que para aqueles de nós frustrados com o PT, Lula fez muitas concessões e perdeu a oportunidade de fazer as mudanças radicais que o Brasil tanto precisa; entre elas a urgente e cara ley dos médios, a reforma agrária, e a justiça tributária. Inútil chorar o leite derramado aqui porque ele segue derramando. O governo Dilma Rousseff continua implacável no mesmo script, com o agravante de que em sua tecnicidade Dilma nega a politica, se afasta do povo e afasta de vez a esperança na tão sonhada virada de mesa do primeiro governo, do segundo, do terceiro, do quarto.
Ainda que Lula tenha alimentado os seus próprios predadores na esperança inútil de que fazendo concessões estratégicas a elite permitiria um governo popular, ir 'as ruas defendê-lo é um dever de todos aqueles com um mínimo de educação politica e de perspectiva histórica. A perseguição implacável que sofre é um indicativo das suas virtudes não dos seus defeitos. Lula não é atacado porque fez menos do que o Brasil precisa, mas sim porque ousou arranhar a centenária estrutura hierárquica do país trazendo os pobres para o debate nacional. A não ser que as forças políticas de esquerda corroborem com o moralismo dirigido do conglomerado policial-midiático segundo o qual o PT é o partido mais corrupto da historia, a perseguição implacável a Lula deveria despertar uma solidariedade política estratégica. 
A mensagem é clara aqui: se Lula, com suas concessões pragmáticas, se converteu em inimigo mortal, imagine a maquina de guerra que seria montada contra um hipotético governo muito mais 'a esquerda? Talvez o tratamento editorial da Globo ao presidente venezuelano Hugo Chaves – o sorriso mal disfarçado dos apresentadores da Globo News com a sua morte - nos dê uma milésima dimensão de como seria o terror midiático a um projeto político radical que as forças mais a' esquerda do PT defendem e que o Brasil urgentemente precisa.
Que a imprensa trate Lula como inimigo é explicável e deveria até fazer bem ao ego do ex-presidente. Ter a mídia como inimiga é um termômetro importante. O que não é razoável é o silencio das esquerdas com a violência politica da qual o ex-presidente é vitima, como se os movimentos sociais e os partidos neste espectro políticos não fossem os próximos da fila. Eles virão por nós!
Não é uma incongruência defender o legado de Lula da Silva e criticar o pragmatismo político que nos trouxe ao momento atual. Tampouco se trata de relativização moral porque o que está em questão aqui não é provar sua inocência. Tarefa inútil. Há neste momento toda uma estrutura estatal, incrivelmente sob o comando do ministro da Justiça do PT, para encontrar um 'crime' praticado pelo ex-presidente. Perguntar não ofende: quem de nós sobreviveria a tamanha cruzada policial-midiática? Não me refiro a uma checagem de antecedentes criminais ou a uma varredura em contas no exterior, mas a todo um aparelho policial estatal orientado a encontrar um crime, um arranhão na biografia, um desvio na conduta dos filhos, dos vizinhos, dos amigos.
Não há tempo a perder. Se há alguma lição a se aprender do julgamento do 'mensalão' é que a defesa de Lula da Silva deve acontecer nas ruas e nas mídias sociais porque é perda de tempo lamentar a inimputabilidade tucana sob a plutocracia judiciária. Juízes, promotores e delegados têm alma, classe social e partido político. Senão, como explicar as aberrações jurídicas com assento na suprema corte e com suas retóricas anti-petistas nos e fora dos autos? Leigos nos assuntos juridicos, eu e meu sobrinho Gustavito, de sete anos, sabemos que "não é razoável" que um juiz falastrão utilize suas prerrogativas (e o nosso dinheiro!) para militância político-partidária e que seja endossado pelo silencio ensurdecedor dos seus pares. Mania de perseguição? Nas mãos petistas um cartão corporativo, uma tapioca, uma canoa de lata ou o empréstimo de um sitio em Atibaia têm mais peso policial-midiático do que um apartamento na Avenida Foch, no centro de Paris, um helicóptero com meia tonelada de cocaína, as fraudes do metro paulistano, ou cinco milhões de dólares em bancos suíços.
A tentativa de assassinato da biografia da figura mais marcante da vida política nacional contemporânea tem um outro significado importante. Com o assassinato politico de Lula abre-se caminho para o desmonte da política soberana do pré-sal e para o retrocesso nas conquistas sociais como o Bolsa Família e as cotas raciais nas universidades publicas. É o que está por trás da violência contra Lula da Silva e é o que deveria nos unir em sua defesa.
A história haverá de colocar em seus devidos lugares dois presidentes, em dois brasis e com duas trajetórias distintas. Um, (o presidente-sociólogo, poliglota, membro da Academia Brasileira de Letras, descendente de imigrantes portugueses, frequentador dos círculos acadêmicos norte-americanos) levou a cabo um criminoso programa de privatizações do patrimônio público e alienação da soberania nacional. O outro, (o presidente nordestino, metalúrgico, sem formação superior, e sem etiquetas no falar) resgatou a esperança de milhões de brasileiros submetidos à humilhação da fome e da seca. Nossos netos lerão nos livros de história sobre um presidente semi-analfabeto, que abriu as portas do ensino superior para milhões de jovens condenados por um presidente-sociólogo a repetir os passos dos seus pais envelhecendo fora das universidades. A história não poderá apagar o nome do presidente nordestino que, não sendo poliglota como o presidente-sociólogo, inseriu o Brasil como país soberano na cena politica mundial. Talvez quem hoje tenha 20 anos de idade ou nasceu sob o governo do PT não tenha um parâmetro para comparar o que era a vida dos mais pobres uma década antes. Eu tenho. Como jovem e membro da Pastoral da Criança, durante os últimos resquícios da teologia da libertação no interior da Bahia, eu conheci de perto a fome, a desnutrição e a morte. Pesávamos crianças raquíticas, de pais raquíticos, com salários raquíticos. Era morte produzida pelas politicas sociais do presidente sociólogo e sua turma. Agora eles perseguem a capa do jornal matutino com Lula da Silva algemado. Talvez ganhem a foto, mas perderão o sono. Somos Lula!

*Professor de Antropologia Social / City University of New York 

14 de fev. de 2016

Exclusivo: helicóptero e mansão dos Marinho foram registrado em nome de "laranjas" no Panamá

Do Tijolaço!

Fernando Brito

A planilha de registros aeronáuticos da ANAC, atualizada em dezembro do ano passado registrava como operador do helicóptero Agusta A-109, matrícula PT-SDA, utilizado pela família Marinho, o Consórcio Veine-Santa Amália. A Veine é a empresa que, formalmente, é “dona” da Mansão dos Marinho em Paraty, e tem participação de empresas panamenhas, representadas por “laranjas” brasileiros.
A empresa que, como revelou o Viomundo, foi aberta em  São Paulo com o nome de MB (Michel Bechara) Jr. Patrimonial e Investimentos Imobiliártios Ltda. e , um mês e meio depois de criada virou a  Agropecuária Veine Patrimonial Ltda., transferiu-se para o Rio com dois sócios: o contador Jorge Luiz  Lamenza e a a Sra. Lúcia Cortes Pinho.
Lamenza representava, com 90% do capital, a empresa panamenha Blainville International Inc..
Lúcia tinha os outros 10% e foi localizada por este blog, por telefone.
Negou ter tido qualquer ligação com esta empresa, mas reagiu de forma hostil até ao oferecimento de enviar-lhe os documentos oficiais onde consta como sócia, como naturalmente faria uma pessoa que nada tivesse haver com o negócio. Apesar da gentileza com que foi tratada, demonstrou mais irritação que curiosidade e acabou por bater o telefone.
No momento do telefonema, não tínhamos os documentos que provavam ser a agropecuária operadora do helicóptero dos Marinho.
A Veine o operava em consórcio com uma empresa chamada Santa Amália Administracão e Participacões Ltda, localizada na Fazenda Córrego dos Macacos, em Uberaba, Minas Gerais.
Será feito um novo contato amanhã cedo, com nova oferta de envio dos documentos, pois ninguém quer crucificar uma pessoa muito provavelmente utilizada  como “laranja”, pois vive em um apartamento de blocos, num bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro.
Como a Dona Lúcia não quis que eu lhe mostrasse os documentos, os mostro aqui, na esperança de que ela, amanhã cedo, não queria entrar de gaiato no navio.

jucesp
consorcio