CARTA AO
GOVERNADOR DA BAHIA
Salvador, 20
de Outubro de 2012
Excelentíssimo Senhor
Governador Jaques wagner,
Quando Vossa Excelência assumiu o Palácio de
Ondina, em 2006, parecia-nos ali o começo de um novo tempo para uma
Bahia castigada por um jeito autoritário e cruel de fazer política. Sua
vitória, governador, trazia de volta a esperança interrompida com a saída de
Waldir Pires do governo do Estado para ajudar no processo de redemocratização
do país ao lado de Ulisses Guimarães. Com ACM e sua turma, vivemos por mais de
trinta anos o horror de uma máquina estatal cheia de vícios, para dizer o
mínimo. A Bahia se reduzia a um feudo dos Magalhães até que surgira a promessa
de refundação do Estado, de uma “bahia de todos nós”.
Deixei a Bahia no final da década de 90 para tentar a vida em
terras alheias e só voltei para celebrar, com entusiasmo, a vitória de Vossa
Excelência em 2006. Retorno agora para
celebrar a derrota de Nelson Pelegrino. Não, eu não celebro nas ruas vitória
carlista tão indigesta. A celebraçao fica para a casa grande local e para uma
certa mídia nacional de olho na destruição do presidente metalúrgico. Mas preciso admitir que o governo de Vossa
Excelência tem sido um desastre social e humano de maneira tal que a vitória do
herdeiro de ACM traz certa ordem `a zona cinza em que se transformou a arena
política na Bahia. Explico:
O carlismo sempre teve bem definido o seu percurso ideológico.
Políticas sociais mínimas, cooptação dos movimentos sociais, apadrinhamento
politico, appropriação do aparelho do estado, reducionismo geográfico
(concentração de investimentos na capital), e polícia sanguinária contra os
pobres e negros. A retórica da guerra contra os pobres e negros, na boca de
policiais militares candidatos do carlismo não deixa dúvida sobre a nova etapa
no projeto biopolítico limpeza racial em Salvador. No entanto, Vossa
Excelência, governador, já implementa tal projeto biopolítico com maestria e desenvoltura.
Vossa Excelência se apropriou das idéias do carlismo levando-as a um nível mais
cruel e mais sofisticado. A perseguição aos professores e a violência homicida
na Bahia são exemplos sintomáticos de uma era que acreditávamos ter deixado
para trás. Tanto quanto o Neto, vossa Excelência tem um parentesco politico
nada desprezível com ACM. Como poderia o eleitor fazer uma distinção entre
ambos? Sua inovação tem sido no método,
não nos resultados.
Nesse sentido, a derrota de Nelson Pelegrino pode ser vista a
partir da arrogância intelectual/tecnocrata segundo a qual os soteropolitanos
não têm consciência política e não sabem votar.
Mais produtivo, no entanto, é ver a derrota petista como um exemplo da
consciência política – ainda que controversa - forjada nos encontros mortais de
boa parte dos soteropolitanos com uma polícia assassina e um modelo de gestão
pública baseada na desvalorização da vida. Suas mãos, governador, estão sujas
de sangue. Em qualquer democracia consolidada, vossa excelência estaria
respondendo criminalmente por cada assassinato de jovens negros nas periferias
das cidades bahianas. Não me refiro apenas aos assassinatos cometidos por sua
polícia – de 2007 a agosto de 2012 já estão computadas em sua conta ‘oficial’
1715 mortes pela polícia no Estado – mas também `a (in)competência política em
deixar morrer: deixar morrer por não possibilitar a inserção dos jovens pobres
no mercado de trabalho, não criar um horizonte de possibilidades que os permitam
visualizar perspectivas para além do
tráfico de drogas, não criar políticas públicas que garantam o direito
`a cidade a maioria dos soteropolitanos, a recusa insana em atender `a
reivindicação legítima dos funcionários públicos. Tanto quanto matar, deixar morrer se
converteu em uma “necro-política” que na Bahia, e em Salvador em particular,
tem componente essencialmente racial.
Eleger Nelson Pelegrino, neste contexto, seria violar um princípio
básico dos lutadores e lutadoras sociais: não negociamos com o estado genocida
e não sucumbimos `a política do mal menor. Quando elegemos Vossa Excelência,
tínhamos em mente resgatar a utopia e trazer de volta a imaginação política saqueada por anos de terror. Acontece que o
governo de Vossa Excelência é moralmente e politicamente indefensável em todos
os aspectos, tanto quanto o governo Neto que agora se apresenta como a solução
para os graves problemas sociais de Salvador. Nossa tradição de resistência e
nossa capacidade de nos reinventar vai nos ajudar a pensar novos caminhos e
derrotar o carlismo outra vez, mas por ora por favor, devolva nossa Bahia! Quantas
mortes deveríamos tolerar em nome da “mudança” e da continuidade ? Não em meu
nome!
Jaime Amparo Alves é jornalista e doutor em Antropologia Social
pela Universidade do Texas, em Austin