29 de out. de 2012

As eleições na Bahia: a derrota de Pelegrino e o recado ao governador



CARTA AO GOVERNADOR DA BAHIA
Salvador, 20 de Outubro de 2012


Excelentíssimo Senhor  Governador Jaques wagner,

Quando Vossa Excelência assumiu o Palácio de Ondina, em 2006, parecia-nos ali o começo de um novo tempo para uma Bahia castigada por um jeito autoritário e cruel de fazer política. Sua vitória, governador, trazia de volta a esperança interrompida com a saída de Waldir Pires do governo do Estado para ajudar no processo de redemocratização do país ao lado de Ulisses Guimarães. Com ACM e sua turma, vivemos por mais de trinta anos o horror de uma máquina estatal cheia de vícios, para dizer o mínimo. A Bahia se reduzia a um feudo dos Magalhães até que surgira a promessa de refundação do Estado, de uma “bahia de todos nós”.

Deixei a Bahia no final da década de 90 para tentar a vida em terras alheias e só voltei para celebrar, com entusiasmo, a vitória de Vossa Excelência em 2006.  Retorno agora para celebrar a derrota de Nelson Pelegrino. Não, eu não celebro nas ruas vitória carlista tão indigesta. A celebraçao fica para a casa grande local e para uma certa mídia nacional de olho na destruição do presidente metalúrgico.  Mas preciso admitir que o governo de Vossa Excelência tem sido um desastre social e humano de maneira tal que a vitória do herdeiro de ACM traz certa ordem `a zona cinza em que se transformou a arena política na Bahia. Explico:

O carlismo sempre teve bem definido o seu percurso ideológico. Políticas sociais mínimas, cooptação dos movimentos sociais, apadrinhamento politico, appropriação do aparelho do estado, reducionismo geográfico (concentração de investimentos na capital), e polícia sanguinária contra os pobres e negros. A retórica da guerra contra os pobres e negros, na boca de policiais militares candidatos do carlismo não deixa dúvida sobre a nova etapa no projeto biopolítico limpeza racial em Salvador. No entanto, Vossa Excelência, governador, já implementa tal projeto biopolítico com maestria e desenvoltura. Vossa Excelência se apropriou das idéias do carlismo levando-as a um nível mais cruel e mais sofisticado. A perseguição aos professores e a violência homicida na Bahia são exemplos sintomáticos de uma era que acreditávamos ter deixado para trás. Tanto quanto o Neto, vossa Excelência tem um parentesco politico nada desprezível com ACM. Como poderia o eleitor fazer uma distinção entre ambos?  Sua inovação tem sido no método, não nos resultados.

Nesse sentido, a derrota de Nelson Pelegrino pode ser vista a partir da arrogância intelectual/tecnocrata segundo a qual os soteropolitanos não têm consciência política e não sabem votar.  Mais produtivo, no entanto, é ver a derrota petista como um exemplo da consciência política – ainda que controversa - forjada nos encontros mortais de boa parte dos soteropolitanos com uma polícia assassina e um modelo de gestão pública baseada na desvalorização da vida. Suas mãos, governador, estão sujas de sangue. Em qualquer democracia consolidada, vossa excelência estaria respondendo criminalmente por cada assassinato de jovens negros nas periferias das cidades bahianas. Não me refiro apenas aos assassinatos cometidos por sua polícia – de 2007 a agosto de 2012 já estão computadas em sua conta ‘oficial’ 1715 mortes pela polícia no Estado – mas também `a (in)competência política em deixar morrer: deixar morrer por não possibilitar a inserção dos jovens pobres no mercado de trabalho, não criar um horizonte de possibilidades que os permitam  visualizar perspectivas para além do tráfico de drogas, não criar políticas públicas que garantam o direito `a cidade a maioria dos soteropolitanos, a recusa insana em atender `a reivindicação legítima dos funcionários públicos.  Tanto quanto matar, deixar morrer se converteu em uma “necro-política” que na Bahia, e em Salvador em particular, tem componente essencialmente racial.

Eleger Nelson Pelegrino, neste contexto, seria violar um princípio básico dos lutadores e lutadoras sociais: não negociamos com o estado genocida e não sucumbimos `a política do mal menor. Quando elegemos Vossa Excelência, tínhamos em mente resgatar a utopia e trazer de volta a imaginação política  saqueada por anos de terror. Acontece que o governo de Vossa Excelência é moralmente e politicamente indefensável em todos os aspectos, tanto quanto o governo Neto que agora se apresenta como a solução para os graves problemas sociais de Salvador. Nossa tradição de resistência e nossa capacidade de nos reinventar vai nos ajudar a pensar novos caminhos e derrotar o carlismo outra vez, mas por ora por favor, devolva nossa Bahia! Quantas mortes deveríamos tolerar em nome da “mudança” e da continuidade ? Não em meu nome!

Jaime Amparo Alves é jornalista e doutor em Antropologia Social pela Universidade do Texas, em Austin