13 de mar. de 2009

Relembrando Franz Fanon: nossos encontros com a violência

“Negro Sujo! Mãe, olhe um negro!
Estou com medo, ele vai me comer..."
'O meu corpo foi devolvido para mim despedaçado, distorcido, naquela manhã de inverno'.

Qualquer pessoa negra no Brasil entenderá aonde quero chegar com a frase acima, retirada do clássico Pele negra, máscara branca, de Franz Fanon. A maneira como o corpo negro é lido, consumido, devorado nos nossos encontros diários com a violência mostra como funciona a economia do racismo brasileiro. Mas não é aí que eu quero chegar. Tanto Franz Fanon, quanto qualquer jovem negro nas periferias urbanas desta terra sabem que mesmo se quisessemos apagar a palavra 'raça' do nosso vocabulário político, haveria sempre uma arma, ou um dedo, apontada a nos indicar nossa posição subalterna e inferior.

Quando 'nossos' intelectuais brancos defendem uma ingênua – embora não neutra e não menos cínica – descartabilidade da categoria raça do vocabulário político, partem de uma posição privilegiada de quem não precisa ser confrontado com a realidade diária dessa ficção. Interpolados como negros nos encontros diários com o terror, re-significamos tal categoria como instrumento estratégico de luta contra o racismo. Ainda que quiséssemos, estamos longe de apagar ‘raça’ do nosso vocabulário porque raça define posiçoes sociais e acessos ao poder. Dadas as estatisticas da violência, raça define quem vive e quem morre. O texto abaixo representa um destes encontros com raça:

De Fanon a Marcos Antonio da Silva:

“Olá, aproveito a mensagem enviada por uma amiga para relatar o que aconteceu comigo na noite de ontem(11/03, quarta) na avenida Hélio Prates: Um policial militar que acabava de sair de seu turno, dirigia seu carro atrás do meu nesta avenida que se encontrava vazia por voalt das 23:30h. De repente percebi que este dava luz alta, como estávamos passando por uma barreira eletrônica e logo em seguido por um radar no cruzamento da L norte com a M norte achei que fosse algo relacionado com a velocidade.

Logo depois o policial alinhou o seu carro ao lado do meu e ameaçou me multar dizendo que eu tinha de ter dado passagem para ele. disse a ele que a velocidade é controlada por radar e que estávamos num perímetro com uma barreira eletrônica e um pardal muito próximos, logo ninguém podia exceder na velocidade e sim reduzir.
Logo a frente o semáforo fechou e o policial começou a me ameaçar verbalmente e eu respondi que ele fizesse o que bem achasse melhor, se irritou por eu não me curvar diante de sua coerção.

Ele desceu do carro dele, puxou e me apontou a arma e me mandou descer do carro com as mãos na cabeça. Neste instante eu sai do carro e disse a ele que não faria o que ele estava mandando, mostrei para ele que era militar, me identifiquei, o semáfaro abriu e continuamos ali, ele insistindo em me humilhar e me tratar como um bandido, em nenhum momento me curvei, gritei para todos os motoristas próximos que ele, o pollicial, estava me coagindo, usando de abuso de poder. ele ligou para os comparças dele para me prender.

Peguei meus documentos e corri para a 17ª delegacia que fica bem próximo ao semáforo, chegando lá contei que o policial estava a me maltratar e pedi abrigo. Um agente foi até ele e com ele conversou, voltaram os dois e conversamos, quis fazer um B.O, o agente se negou alegando que não era preciso que tudo poderia se resolver ali, de forma amigável. Não insisti, pois estava muito revoltado com tudo aquilo, só lhe falei que uma farda e uma arma não me assegurava que quem a usa é um policial, poderia ser um bandido. Disse a ele que não era um moleque, que conhecia meus direitos e exigi respeito. No fundo ele queria que eu me curvasse e eu não me curvei, exigi que ele se identificasse também e isso o irritou,pois ele se achava o dono da situação. ele foi embora e depois de alguns minutos fui eu.

Foi muito ruim, eu estava só diante de policiais, policiais que eu não confio 100%. Se eu não estivesse próximo a uma delegacia, ele seria capaz de me maltratar, até me matar e alegar legítima defesa. Não me sinto seguro, não me sinto respeitado. eu só sou mais um neste submundo. ‘Deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar’ (Marcelo D2).
Abraços cor de ébano”.

2 comentários:

Ricardo Lessa disse...

"É necessário o racismo anti-racista" - Frantz Fanon, em Os Condenados da Terra.

Fernanda Dias Maciel Silva disse...

Fico sem palavras diante de tanta violência... isso é o cúmulo do absurdo, porém sei que este fato também deve acontecer com outras pessoas em outros lugare e em outras situações. Este fato me estimula a continuar no campo da educação... lutando por uma prática pedagógica diferenciada que valorize os seres humanos em suas diferentes culturas, etnias e valores....
Deixar de lutar, nunca, não podemos parar. Não podemos apenas deixar um mundo melhor pra nossos filhos, mas sim filhos melhores para este mundo...