25 de mar. de 2009

Carta Aberta ao Senado Federal

São Paulo, 25 de Maio de 2009

Prezadas Senadoras,
Prezados Senadores,

Escrevo-lhes para unir-me ao coro daqueles senadores e senadoras contra o Projeto de Lei da Câmara 180/2008 – que institue reserva de vagas para afrodescendentes e pobres em geral em todas as universidades públicas. Tal projeto nao é apenas um insulto, como tambem é insustentável em uma nação socialmente ética e racialmente justa como a brasileira. Eu pessoalmente, sou fruto dessa nação, terra das oportunidades. Nordestino, negro, estou em São Paulo desde 1994 buscando meu lugar ao sol nesta terra do homem cordial. Meus encontros com a violência policial, as humilhações diárias nos shopping centers, os anos de subemprego, o certificado de incompetência outorgado pelo vestibular da universidade pública e a carga diária de trabalho violenta para pagar a mensalidade na universidade privada não são suficientes para convencer-me de que a cor da pele é instrumento poderoso na definição do acesso aos bens sociais no Brasil.

Seria um absurdo intolerável tentar corrigir as injustiças de mais de 300 anos de escravidão a partir de ações estatais estratégicas de redistribuição da riqueza construída com o sangue das nossas avós e avôs. Vossas Excelências têm razão: o atalho mais cômodo e com menos custos políticos é persistir nos ideais universalistas já inscritos na nossa Constituição e muito bem defendidos por nossos negrólogos. Afinal, quem é negro nesse país? Todo mundo teve uma avó com o pé na ‘cozinha’, ainda que seja difícil explicar porque as mulheres negras continuam lá.

Meu apelo ao Senado, no entanto, é que ao votar contra o projeto das cotas, assuma também o risco social de tamanha bravura. O Brasil negro cresce a cada ano. Não que ele já não exista, mas pela primeira vez em nossa história republicana acontece uma coisa estranha, que está incomodando: mais pé-rapados, desgraçados, humilhados, ‘condenados da terra’ se identificam com a negritude negada.

Levando, pois, em conta tal fenomeno, Vossas Excelências bem que poderiam fazer o cálculo matemático e político de quanto tempo seria necessário investirmos em medidas universalistas de acesso a bens vitais como saúde, educação e acesso `a terra para resolvermos o inconveniente problema que insiste em desafiar o fantasma de Gilberto Freire e seus seguidores. A verdade é que Vossas Excelências precisam colocar um ponto final nos desvarios das radicais loucas e os radicais esquizofrênicos do movimento negro que querem ressucitar um monstro que nosso país enterrou com a assinatura da Lei Áurea.

Meu conselho, como herdeiro destes 500 anos de pau-brasil, é que votando contra o PL das Cotas, V. Excelências elaborem um argumento um pouco mais convincente, que ajude a sustentar a idéia da excepcionalidade brasileira no campo das relações raciais. Embora eu entenda o lugar racial de onde os senhores e senhoras senadoras falam, tenho falhado miseravelmente em convencer a minha mãe de que banir ‘raça’ do vocabulário político é a solução mais justa e mais ética para que meus irmãos tenham acesso `a universidade pública. No mesmo sentido, confesso que ainda não tive coragem de explicar ao meu sobrinho de 13 anos que seus encontros diários com a violência na periferia de Brasília não têm nada a ver com a cor da sua pele. É ilusão de ótica.

Na verdade, estou quebrando a cabeça com as contas mórbidas da violência contra os homens jovens negros na periferia das capitais brasileiras. Embora nao tirem um minuto do meu sono, os numeros desafiam minha cegueira racial. No entanto, sendo mais sensiveis que eu, e sendo os seus currais eleitorais, Vossas Senhorias sabem o que significa morar na periferia de Maceió, de Recife, ou de Brasília onde a taxa de homicidios entre os homens negros é 300% maior do que a de homens brancos na mesma faixa etária.

Caso julguem pertinente, e ja desculpando minha ousadia, eu poderia ajudar a sua assessoria parlamentar com um argumento - um pouco fora de moda mas ainda com poder de persuasão. Seria um argumento baseado na luta de classes e no esvaziamento do sentido político da categoria ‘raça’ empregado pelo movimento negro. Estratégicamente, poderíamos começar com um jogo de retórica debitando na conta dos militantes negros o dever de negar o que talvez nem Nina Rodrigues, se vivo fosse, teria coragem de sustentar: a base científica/biologica de raça.

Estabelecida a confusão, poderíamos argumentar que o problema do Brasil não é de raça, mas de classe, que lutando por uma bandeira universal de acesso dos pobres aos bens públicos poderíamos atender `a clientela negra. Poderíamos também usar os argumentos das ‘divisões perigosas’ daqueles intelectuais progressistas, os editoriais impaciais dos grandes jornais do país e a TV do Jardim Botânico que dispensa adjetivos. Atenção: ter a mídia e um bom pedaço da inteligentsia brasileira ao seu lado é o grande trunfo para manter a hegemonia do Brasil racialmente cego, ainda que tal hegemonia se traduza na prática na dominação racial dos azarados por nascer pretos e pardos.

Para finalizar, desconfio que Vossas Excelências precisam ter um plano emergencial para o Brasil nos próximos 100 anos, uma vez que os ideais republicanos da igualdade de fato ainda não se concretizaram e não parecem concretizáveis nesse século. Vossas Exclências poderíam estabelecer um Estatuto da Cordialidade com as seguintes medidas: privatizar as universidades públicas para que o mercado corrija as desigualdades que por ventura ai se encontrem; investir pesadamente no aparelho policial para impedir que jovens rebeldes desçam os morros e exijam pela força o acesso aos bens que acham que lhes são negados; murar as favelas ao redor das nossas capitais para que as insurreições que se desenham no horizonte não pertubem a ordem pública.

E por fim, uma medida ainda mais importante é estabelecer a pena de morte como solução para dois problemas que insistem em perseguir a nossa nação cordial: tirar das mãos da polícia o monopolio de limpar a sociedade, dar fôlego `as cadeias brasileiras já superlotadas. Ademais, estamos de saco cheio de sustentar essa gente que não quer trabalhar nem estudar.

Viva a República! Viva a democracia racial brasileira!

Jaime Amparo Alves
amparoalves@gmail.com

6 comentários:

Murilo disse...

Salve Jaime, sem pedir licença eu postei no meu blog www.mumachau.blogspot.com a sua carta aberta.
Espero que possa permitir a postagem, querendo que retire é só avisar que retiro.
Abraços e Axé, Murilo.

Jaime Amparo Alves. Email: amparoalves@gmail.com disse...

obrigado, murilo. vou visitar o seu blog. abraco,
jaime

celregis disse...

Oi,Jaime,
Gostei tanto do seu texto, que tomei a liberdade de postá-lo na lista de mulheres negras.
Muito bom!!!
Bjs,
Célia Regina
bolsista Ford/2006

Jaime Amparo Alves. Email: amparoalves@gmail.com disse...

Ola celia. bom ter voce por aqui. obrigado!

T.T. disse...

Acabo de mandar o seu texto para todos os assessores do Senado Federal.

Jaime Amparo Alves. Email: amparoalves@gmail.com disse...

valeu, thiagao!