29 de jun. de 2014

O jornalismo lombrosiano e a retórica do ódio na mídia brasileira

Jaime Amparo Alves

Os brasileiros no exterior que acompanham o noticiário brasileiro pela internet têm a impressão de que o país nunca esteve tão mal. Explodem os casos de corrupção, a crise ronda a economia, a inflação está de volta, e o país vive imerso no caos moral. Isso é o que querem nos fazer crer as redações jornalísticas do eixo Rio - São Paulo.  Com seus gatekeepers escolhidos a dedo, Folha de S. Paulo, Estadão, Veja e O Globo investem pesadamente no caos com duas intenções: inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e destruir a imagem pública do ex-presidente Lula da Silva. Até aí nada novo.

Tanto Lula quanto Dilma sabem que a mídia não lhes dará trégua, embora não tenham – nem terão – a coragem de uma Cristina Kirchner de levar a cabo uma nova legislação que democratize os meios de comunicação e redistribua as verbas para o setor. Pelo contrário, a Polícia Federal segue perseguindo as rádios comunitárias e os conglomerados de mídia Globo/Veja celebram os recordes de cotas de publicidade governamentais.  O PT sofre da síndrome de Estocolmo (aquela na qual o sequestrado se apaixona pelo sequestrador) e o exemplo mais emblemático disso é a posição de Marta Suplicy como colunista de um jornal cuja marca tem sido o linchamento e a inviabilização política das duas administrações petistas em São Paulo.

O que chama a atenção na nova onda conservadora é o time de intelectuais e artistas com uma retórica que amedronta. Que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso use a gramática sociológica para confundir os menos atentos já era de se esperar, como é o caso das análises de Demétrio Magnoli, especialista sênior da imprensa em todas as áreas do conhecimento. Nunca alguém assumiu com tanta maestria e com tanta desenvoltura papel tão medíocre quanto Magnoli: especialista em políticas públicas, cotas raciais, sindicalismo, movimentos sociais, comunicação, direitos humanos, política internacional… Demétrio Magnoli é o porta-voz maior do que a direita brasileira tem de pior, ainda que seus artigos não resistam a uma análise crítica.

Agora, a nova cruzada moral recebe, além dos já conhecidos defensores dos “valores civilizatórios”, nomes como Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro. A raiva com que escrevem poderia ser canalizada para causas bem mais nobres se ambos não se deixassem cativar pelo canto da sereia. Eles assumiram a construção midiática do escândalo, e do que chamam de degenerecência moral, com o fato. E, porque estão convencidos de que o país está em perigo, de que o ex-presidente Lula é a encarnação do mal, e de que o PT deve ser extinguido para que o país sobreviva, reproduzem a retórica dos conglomerados de mídia com uma ingenuidade inconcebível para quem tanto nos inspirou com sua imaginação literária.

Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro fazem parte agora daquela intelligentsia nacional que dá legitimidade científica a uma insidiosa prática jornalística que tem na Veja sua maior expressão.  Para além das divergências ideológicas com o projeto político do PT – as quais eu também tenho -, o discurso político que emana dos colunistas dos jornalões paulistanos/cariocas impressiona pela brutalidade. Os mais sofisticados sugerem que a exemplo de Getúlio Vargas, o ex-presidente Lula cometa suicídio; os menos cínicos celebraram o “câncer” como a única forma de imobilizá-lo. Os leitores de tais jornais, claro, celebram seus argumentos com comentários irreproduzíveis aqui.
Quais os limites da retórica de ódio contra o ex-presidente metalúrgico? Seria o ódio contra o seu papel político, a sua condição nordestina, o lugar que ocupa no imaginário das elites? Como figuras públicas tão preparadas para a leitura social do mundo se juntam ao coro de um discurso tão cruel e tão covarde já fartamente reproduzido pelos colunistas de sempre? Se a morte biológica do inimigo político já é celebrada abertamente – e a morte simbólica ritualizada cotidianamente nos discursos desumanizadores – estaríamos inaugurando uma nova etapa no jornalismo lombrosiano?

Para além da nossa condenação aos crimes cometidos por dirigentes dos partidos políticos na era Lula, os textos de Demétrio Magnoli , Marco Antonio Villa, Ricardo Noblat , Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Catanhede, além dos que agora se somam a eles, são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões de manipulação” na mídia brasileira. Seus textos serão utilizados nas disciplinas de deontologia jornalística não apenas como exemplos concretos da falência ética do jornalismo tal qual entendíamos até aqui, mas também como sintoma dos novos desafios para uma profissão cada vez mais dominada por uma economia da moralidade que confere legitimidade a práticas corporativas inquisitoriais vendidas como de interesse público.

O chamado “mensalão” tem recebido a projeção de uma bomba de Hiroshima não porque os barões da mídia e os seus gatekeepers estejam ultrajados em sua sensibilidade humana. Bobagem! Tamanha diligência não se viu em relação à série de assaltos à nação empreendidos no governo do presidente sociólogo! A verdade é que o “mensalão” surge como a oportunidade histórica para que se faça o que a oposição – que nas palavras de um dos colunistas da Veja “se recusa a fazer o seu papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia do presidente metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e reconduzir o projeto da elite ‘sudestina’ ao Palácio do Planalto.
Minha esperança ingênua e utópica é que o Partido dos Trabalhadores aprenda a lição e leve adiante as propostas de refundação do país abandonadas com o acordo tácito para uma trégua da mídia. Não haverá trégua, ainda que a nova ministra da Cultura se sinta tentada a corroborar com o lobby da Folha de S. Paulo pela lei dos direitos autorais, ou que o governo Dilma continue derramando milhões de reais nos cofres das organizações Globo e Abril via publicidade oficial.

Não é o PT, o Congresso Nacional ou o governo federal que estão nas mãos da mídia. Somos todos reféns da meia dúzia de jornais que definem o que é notícia, as práticas de corrupção que merecem ser condenadas, e, incrivelmente, quais e como devem ser julgadas pela mais alta corte de Justiça do país. Na última sessão do julgamento da ação penal 470, por exemplo, um furioso ministro-relator exigia a distribuição antecipada do voto do ministro-revisor para agilizar o trabalho da imprensa (!). O STF se transformou na nova arena midiática onde o enredo jornalístico do espetáculo da punição exemplar vai sendo sancionado.

Depois de cinco anos morando fora do país, estou menos convencido por que diabos tenho um diploma de jornalismo em minhas mãos. Por outro lado, estou mais convencido de que estou melhor informado sobre o Brasil assistindo à imprensa internacional. Foi pelas agências de notícias internacionais que informei aos meus amigos no Brasil de que a política externa do ex-presidente metalúrgico se transformou em tema padrão na cobertura jornalística por aqui. Informei-lhes que o protagonismo político do Brasil na mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu atenção muito mais generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na mídia nacional. Informei-lhes que acompanhei daqui o presidente analfabeto receber o título de doutor honoris causa em instituições européias, e avisei-lhes que por causa da política soberana do governo do presidente metalúrgico, ser brasileiro no exterior passou a ter uma outra conotação. O Brasil finalmente recebeu um status de respeitabilidade e o presidente nordestino projetou para o mundo nossa estratégia de uma America Latina soberana.

Meus amigos no Brasil são privados do direito à informação e continuarão a ser porque nem o governo federal nem o Congresso Nacional estão dispostos a pagar o preço por uma “reforma” em área tão estratégica e tão fundamental para o exercício da cidadania. Com 70% de aprovação popular, e com os movimentos sociais nas ruas, Lula da Silva não teve coragem de enfrentar o monstro e agora paga caro por sua covardia.Terá a Dilma coragem com aprovação semelhante, ou nossa meia dúzia de Murdochs seguirão intocáveis sob o manto da liberdade de e(i)mprensa?

22 de jun. de 2014

Os 10 maiores micos da Copa do Mundo do Brasil

Por Najla Passos, da Carta Maior


A Copa do Mundo do Brasil ainda não passou da primeira fase, mas já são fartas as gafes, foras e barrigadas do mundial, especialmente fora do campo. E, curiosamente, elas nada têm a ver com as previsões das “cartomantes do apocalipse” que alardeavam que o país não seria capaz de organizar o evento e receber bem os turistas estrangeiros. Muito pelo contrário.

Os estádios ficaram prontos, os aeroportos estão funcionando, as manifestações perderam força, os gringos estão encantados com a receptividade brasileira e a imprensa estrangeira já fala em “Copa das Copas”.   Confira, então, os principais micos do mundial... pelo menos até agora!


1 - O fracasso do #NãoVaiTerCopa

Mesmo com o apoio da direita conservadora, da esquerda radicalizada, da mídia monopolista e dos black blocs, o movimento #NãoVaiTerCopa se revelou uma grande falácia. As categorias de trabalhadores que aproveitam a visibilidade do evento para reivindicar suas pautas históricas de forma pacífica preferiram apostar na hashtag #NaCopaTemLuta, bem menos antipática e alarmista. E os que continuaram a torcer contra o evento e o país, por motivações eleitoreiras ou ideológicas, amargam o fracasso: políticos perdem credibilidade, veículos de imprensa, audiência e o empresariado, dinheiro!


2 – A vênus platinada ladeira abaixo 

Desde os protestos de junho de 2013, a TV Globo vem amargando uma rejeição crescente da população. E se apostava no #NãoVaiTerCopa para enfraquecer o governo, acabou foi vendo sua própria audiência desabar. Uma pesquisa publicada pela coluna Outro Canal, da Folha de S. Paulo, com base em dados do Ibope, mostra que no jogo de abertura da Copa de 2006, na Alemanha, a audiência da Globo foi de 65,7 pontos. No primeiro jogo da Copa de 2010, na África do Sul, caiu para 45,2 pontos. Já na estreia do Brasil na Copa, neste ano, despencou para 37,5 pontos.

3 – #CalaABocaGalvão

Principal ícone da TV Globo, o narrador esportivo Galvão Bueno é o homem mais bem pago da televisão brasileira, com salário mensal de R$ 5 milhões. Mas, tal como o veículo que paga seu salário, está com o prestígio cada vez mais baixo. Criticar suas narrações virou febre entre os fãs do bom futebol. E a própria seleção brasileira optou por assistir os jogos da copa pela concorrente, a TV Band. O movimento #CalaABocaGalvão ganhou ainda mais força! O #ForaGlobo também!


4 – A enquadrada na The Economist 

A revista britânica The Economista, que vem liderando o ranking da imprensa “gringa” que torce contra o sucesso do Brasil, acabou enquadrada por seus leitores. A reportagem "Traffic and tempers", publicada no último dia 10, exaltando os problemas de mobilidade de São Paulo às vésperas de receber o mundial, foi rechaçada por leitores dos EUA, Japão, Holanda, Inglaterra e Argentina, dentre vários outros. Em contraposição aos argumentos da revista, esses leitores relataram problemas muito semelhantes nos seus países e exaltaram as qualidades brasileiras, em especial a hospitalidade do povo.

5 – O assassinato da semiótica

Guru da direita brasileira, o colunista da revista Veja, Rodrigo Constantino, provocou risos com o texto “O logo vermelho da Copa”, em que acusa o PT de usar a logomarca oficial do mundial da Fifa para fazer propaganda subliminar do comunismo. Virou chacota, claro. O correspondente do Los Angeles Times, Vincent Bevins, postou em seu Twitter: “Oh Deus. Colunista brasileiro defendendo que o vermelho 2014 na logo da Copa do Mundo é obviamente uma propaganda socialista”.  Seus leitores se divertiram usando a mesma lógica para apontar outros pretensos ícones comunistas, como a Coca-Cola (lol)!

6 – A entrevista com o “falso” Felipão

Ex-diretor da Veja e repórter experiente, Mário Sérgio Conti achou que tivesse tirado a sorte grande ao encontrar o técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, em um voo comercial, após o empate com o México. Escreveu uma matéria e a vendeu para os jornais Folha de S. Paulo e O Globo, que a publicaram com destaque. O entrevistado, porém, era o ator Wladimir Palomo, que interpreta Felipão no programa humorístico Zorra Total. No final da conversa, Palomo chegou a passar seu cartão à Conti, onde está escrito: “Wladimir Palomo - sósia de Felipão – eventos”. Mas, tão confiante que estava no seu “furo de reportagem”, o jornalista achou que era uma “brincadeirinha” do técnico...

7 – A “morte do pai” do jogador marfinense

O jogador da costa do Marfim, Serey Die, caiu no choro quando o hino do seu país soou no estádio Mané Garrincha, em Brasília. Imediatamente, a imprensa do Brasil e do mundo passou a noticiar que o pai dele havia morrido poucas horas antes. A comoção vias redes sociais foi intensa. O jogador, porém, desmentiu a notícia assim que pode. Seu pai havia morrido, de fato. Mas há dez anos. As lágrimas se deveram a outros fatores. "Também pensei no meu pai, mas é por tudo que vivi e por ter conseguido chegar a uma copa do mundo”, explicou.

8 – “Vai pra casa, Renan!”

Cheio de boas intenções, o estudante Renan Baldi, 16 anos, escolheu uma forma bastante condenável de reivindicar mais saúde e educação para o país: cobriu o rosto e se juntou aos black block paulistas para depredar patrimônio público na estreia do mundial. Foi retirado do meio do protesto pelo pai, que encantou o país ao reafirmar seu amor pelo filho, mas condenar sua postura violenta e antidemocrática. A hashtag #VaiPraCasaRenan fez história nas redes sociais!

9 – O fiasco do “padrão Fifa”

Pelos menos 40 voluntários da Copa em Brasília passaram mal após consumir as refeições servidas pela Fifa, no sábado (14), um dia antes do estádio Mané Garrincha estrear no mundial com a partida entre Suíça e Equador. Depois disso, não apareceu mais nenhum manifestante desavisado para pedir saúde e educação “padrão Fifa” no país!

10 – Sou “coxinha” e passo recibo!

Enquanto o Brasil e o mundo criticavam a falta de educação da “elite branca” que xingou a presidenta Dilma no Itaquerão, a empresária Isabela Raposeiras decidiu protestar pela causa oposta: publicou no seu facebook um post contra o preconceito e à discriminação dirigidos ao que ela chamou de “minoria de brasileiros que descente da elite branco-europeia”. “Não sentirei vergonha pelas minhas conquistas, pelo meu status social, pela minha pele branca”, afirmou.  Virou, automaticamente, a musa da “elite coxinha”.

13 de jun. de 2014

As vaias a Dilma e os neoflautistas de Hamelin

Por LUIS NASSIF:

Encontro um banqueiro meu conhecido após o jogo da Copa. Ficou em um dos camarotes VIPs, ao lado de personalidades como Gilmar Mendes.  Foi com a namorada ao Itaquerão. Ambos estavam impressionados com a qualidade do estádio, com a limpeza dos banheiros, com a beleza e relevância do evento. Até Lázaro Brandão, o todo-poderoso presidente do Conselho do Bradesco, esteve presente, me diz ele.

Tudo funcionou a contento, disseram-me, o trânsito (que depende da Prefeitura), o Metrô (que depende do estado), o estádio (cuja construção foi apoiada pelo governo federal). Enfim, motivo geral para espalhar pelo mundo uma imagem mais positiva do país. Apenas um dado falhou, para vergonha de São Paulo: o nível das vaias à presidente da República. - Não era povão. Veio das alas VIPs e foi constrangedor.

O momento mais baixo da Copa, o episódio que manchou a imagem do país no mundo partiu daquele segmento que Cláudio Lembo chama de “elite branca”. Mas, como bem observou um de nossos comentaristas, não os trate como elite. Elite pressupõe um estágio intelectual e moral superior. São Paulo tem uma elite intelectual, médica, tecnológica. Os que se manifestaram representam apenas a selvageria empetecada, os black blocs com grife. O caráter de um jornal é dado pela soma individual dos seus colunistas e pela linha editorial. Hoje, o episódio foi lamentado pelos maiores cronistas esportivos, timidamente em suas colunas, mais acerbamente em seus blogs. Mas são  pontos fora da curva. 

A baixaria contra uma presidente da República, uma mulher digna, não mereceu condenação dos jornais, mas a celebração em suas manchetes.  O grito: “Dilma vai tomar no c…” torna-se, a partir de agora, o símbolo máximo do enorme poder de que dispõe a mídia para influenciar o baixo clero da “elite branca”. São incapazes de separar a crítica ao estilo dos ataques pessoais. Não é por nada que tornaram José Serra seu herói predileto. Qualquer coisa vale na disputa política, principalmente abrir mão de ideias e recorrer aos ataques mais baixos.


Os jornalões tornaram-se a versão moderna e adaptada do Flautista de Hamelin. O flautista levava os ratos para o rio e os afogava. Os jornais levam os ratos para o mundo - e os celebram.
Não foi por outro motivo que a parte do evento que mais impressionou a colunista social do Estadão foram alguns banheiros entupidos. Na verdade, havia pouco banheiro para a m… que jorrou dos camarotes, estimulada pelos neoflautistas de Hamelin.